sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Carta 1

O que pronunciar depois desse teu beijo na testa da minha eterna confusão: “A vida não pertence ao tempo”! Fico feliz por você, Pedro! Que delicia trafegar pelo passeio público com a chave de casa nos bolsos! Vive um momento único! Isso sim é livre-arbítrio! Sinto-me longe desse progresso. Não que eu não volte para o meu habitat natural; durmo quase que diariamente em meu próprio conchego. Apenas tenho a sensação que não decoro a direção de onde vim, não reconheço as cores, os vizinhos, o jardim da casa que volto, o cão não faz festa, as cartas do correio sempre sem destinatário - é preciso sempre convencer a porta a me deixar entrar! Um eterno começo! Caí na moda do meu próprio “Homem de Dentro”. Quase como se entrasse no mundo com essa tal janela debaixo dos braços e, quando preciso voltar, tento encaixar a mesma vidraça em lugares esquecidos, uma amnésia existencial. Ao carregar esse portal, por medo de me separar desse que te escreve, acabo como um emaranhado de ilusões e lucidez. Falta-me inteligência ou bom senso para não gastar minha seiva com todos. Já broto como se não fosse ser entendido! Narro que sei algo que muitos não percebem: O ponto exato, a alameda do grande encontro; mas isso é confuso, chega a ser arrogante. Como posso saber o caminho de volta se não aprendi a deixar um só “caio” em segurança caso o mundo me furte? Muitas vezes me flagro com uma mão na frente e outra atrás, envergonhado, sem ter para qual “meu” ligar para me catar. Casta solidão! Viajo com todas as minhas tribos, levo o meu íntimo ao shopping do mundo... cigano confuso ou pop...sei lá! Minha sensatez se confunde com a própria alegoria, acabo por desfilar sempre na rua de trás da apoteose, longe de um céu ou um chão que se abra para “me ver passar escrevendo coisas de amor”. A queda e o vôo vão por uma avenida sem público. Muita festa do lado de lá de mim! Como competir comigo mesmo? Meu teatro, nossas cartas, e outras pequenas peripécias que faço com as palavras são minhas únicas docas! Talvez por isso que me sinta sem casa: por achar que sou locatário da arte. Mas se esta mesma vive em eterna mutação, é obvio que é impossível reconhecer o endereço de um último poema! Conto meus abusos para ti, porem, para eu mesmo ouvir! - Ah, Caio, quanta bobagem!!! Mas sabe, padre poeta, confesso que é exatamente aqui e assim que eu queria estar: Confuso e confiante que esse pesadelo, ao alvorecer dessa alucinação que tem sido assistir esse jogo dos homens, a vida se revele como um belo e aguerrido sonho! Bom saber que está tão bem, e que estamos de volta, companheiro! Quantas cartas estão por vir, quantas revelações já existem a serem catadas por nós mesmo aqui nesse nosso altar? Abraços aliviados, Caio

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